Vejo da janela do escritório num pequeno espaço verde um grupo de crianças brincava debaixo de uma robusta laranjeira. Ao lado estava um outro grupo de crianças acompanhadas das educadoras a plantar vegetais. Faziam um buraquinho no solo e plantavam os pequenos vegetais, tapavam com terra, regavam e refaziam novamente o rego na terra para a água não escorrer pelo outro lado. No fim da labuta manual, só faltou catalogar os vários vegetais ali plantados. Tarefa que calhou às educadoras. Sobre a supervisão das educadoras estavam a divertir-se e a aprender os instintos básicos da sobrevivência. Sentei-me e pensei nos rostos anónimos que por ali têm passado.
Uma palavra me veio à memória SOBREVIVÊNCIA é uma palavra que deve ser reaprendida, estudada e assimilada.
Questionei-me sobre os instintos de sobrevivência, os meus e dos que me são mais queridos.
Os valores fundamentais que tenho ensinado aos meus filhos e a disciplina de sobrevivência não fazem parte dos programas básicos de ensino.
A pouco e pouco tenho tentado sensibilizá-los para a situação em que o país se encontra, a precariedade com que algumas famílias sobrevivem.
É complicado tentar fazer entender os meus filhos que não ter computador novo, telemóvel, ou aumento na mesada é menos grave que não ter dinheiro para pagar as contas de manutenção da casa e ter comida na mesa. Que há pessoas que têm bons automóveis, boas habitações e vestem roupas de marcas, no entanto perdem os seus empregos e…. não têm como se alimentarem, batendo mesmo no fundo do poço.
Neste contexto a controvérsia começa todos os dias à hora das refeições são pontuais as criticas aquilo que comem.
A carne é mais barata que o peixe, porque é que insistes em comprar peixe, saladas e legumes sabem a ervas….blá,blá,blá…..o arroz, massa e batatas são suficientes. Argumento que aqui não está o preço dos alimentos, mas sim o preço da saúde. Dou-lhes lições de gastronomia. Passo a discursar que na minha adolescência os alimentos que faziam parte da alimentação da maioria dos portugueses eram mais naturais, não existiam aromas e sabores artificiais, as natas não faziam parte da alimentação diária, era tudo confeccionado ao natural, não existiam alimentos pré-cozinhados, nem congelados. Por isso a alimentação era mais racional. Algumas pessoas viviam das pequenas hortinhas, outras das colheitas dos agricultores portugueses. As pessoas viviam, e viviam bem, pudera, não conheciam outra realidade. Agora será mais difícil tentar viver como antigamente, a realidade é outra, as pessoas estão habituadas a todas as mordomias, aos produtos importados. Tal como vocês vão ter muito que apreender um dia. E eu também a, reaprender ……. (em tom de ameaça) Um dia vocês vão ver, até as espinhas comem….
Acabo o sermão um pouco nostálgica, tanto que me apetecia aquelas comidinhas de antigamente, sopa tomate, sopa de cação, sopa de beldroegas, sopa de feijão... blá..blá
A resposta é sempre a mesma, então faz, mas só para ti… nós também gostamos de migas, de cozido à portuguesa, carne porco frita, são comidas tradicionais, assados blá..blá…
Como sensibilizá-los que comemos para viver e não vivemos para comer. O que mais me preocupa não é só a alimentação calórica mas a falta quase total de vegetais na alimentação deles. E se um dia a crise chegar à mesa daquelas alminhas! Como iram encarar os legumes, as saladas, as sopas, os guisados, atum e salsichas, (enlatados) atum, sim, porque de atum, quer dizer, lasanha até gostam. Valha-me isso! Pois claro, tem natas...